terça-feira, 31 de maio de 2011

Nota pública divulgada pela Assessoria de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra - Secretaria Nacional

  O Estado não pode lavar as mãos diante de mortes anunciadas




          A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra reputa como muito

estranhas as afirmativas de representantes da Secretaria Estadual de Segurança

Pública do Pará, do Ibama e do Incra que disseram no dia 25 de maio desconhecer as

ameaças de morte sofridas pelos trabalhadores José Claudio Ribeiro da Silva e Maria

do Espírito Santo da Silva, assassinados a mando de madeireiros no dia 24, em Nova

Ipixuna (PA). O ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, chegou a afirmar

que o casal não constava de nenhuma relação de ameaçados em conflitos agrários,

elaborada pela Ouvidoria ou pela Comissão Nacional de Combate à Violência no

Campo.



          A CPT, que desde 1985 presta um serviço à sociedade brasileira registrando e

divulgando um relatório anual dos conflitos no campo e das violências sofridas pelos

trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para os assassinatos e ameaças de

morte, desde 2001 registrou entre os ameaçados de morte o nome de José Claudio.

Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. E nos relatórios de 2004,

2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa, Maria do Espírito Santo. Pela sua

metodologia, a CPT registra a cada ano só as ocorrências de novas ameaças.



          Também o nome de Adelino Ramos, assassinado no dia 27 de maio, em Vista

Alegre do Abunã, Rondônia, constou da lista de ameaçados de 2008. Em 22 de julho

de 2010, o senhor Adelino participou de audiência, em Manaus, com o Ouvidor Agrário

          Nacional, Dr. Gercino Filho, e a Comissão de Combate à Violência e Conflitos no

          Campo e denunciou as ameaças que vinha sofrendo constantemente, inclusive

citando nomes dos responsáveis pelas ameaças.



          No dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou ao ministro da Justiça, Luiz Paulo

Barreto, os dados dos Conflitos e da Violência no Campo, compilados nos relatórios

anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Um dos documentos entregue foi a

relação de Assassinatos e Julgamentos de 1985 a 2009. Até 2010, foram

assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a

julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos

mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser

um dos mandantes do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.



          As mortes no campo podem se intitular de Crônicas de mortes anunciadas. De

2000 a 2011, a CPT tem registrado em seu banco de dados ameaças de morte no

campo, contra 1.855 pessoas. De 207 pessoas há o registro de terem sofrido mais de

uma ameaça. E destas, 42 foram assassinadas e outras 30 sofreram tentativas de assassinato. 102 pessoas, das 207, foram ou são lideranças e 27 religiosos ou

agentes de pastoral.



          O que se assiste em nosso país é uma contra-reforma agrária e é uma falácia o

tal desmatamento zero. O poder do latifúndio, travestido hoje de agronegócio, impõe

suas regras afrontando o direito dos posseiros, pequenos agricultores, comunidades

quilombolas e indígenas e outras categorias camponesas. Também avança sobre

reservas ambientais e reservas extrativistas. O apoio, incentivo e financiamento do

Estado ao agronegócio, o fortalece para seguir adiante, acobertado pelo discurso do

desenvolvimento econômico que nada mais é do que a negação dos direitos

fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza. Isso ficou explícito durante

a votação do novo Código Florestal que melhor poderia se denominar de Código do

Desmatamento. Além de flexibilizar as leis, a repugnante atitude dos deputados

ruralistas, que vaiaram o anúncio da morte do casal, vem reafirmar que o interesse do

grupo está em garantir o avanço do capital sobre as florestas, pouco se importando

com as diferentes formas de vida que elas sustentam e muito menos com a vida de

quem as defende. A violência no campo é alimentada, sobretudo, pela impunidade,

como se pode concluir dos números dos assassinatos e julgamentos. O poder

judiciário, sempre ágil para atender os reclamos do agronegócio, mostra-se pouco ou

nada interessado quando as vítimas são os trabalhadores e trabalhadoras do campo.



          A morte é uma decorrência do modelo de exploração econômica que se

implanta a ferro e fogo. Os que tentam se opor a este modelo devem ser cooptados

por migalhas ou promessas, como ocorre em Belo Monte, silenciados ou eliminados.



          A Coordenação Nacional da CPT vê que na Amazônia matar e desmatar

andam juntos. Por isso exige uma ação forte e eficaz do governo, reconhecendo e

titulando os territórios das populações e comunidades amazônidas, estabelecendo

limites à ação das madeireiras e empresas do agronegócio em sua voracidade sobre

os bens da natureza. Também exige do judiciário medidas concretas que ponham um

fim à impunidade no campo.



          Goiânia, 30 de maio de 2011.

          A Coordenação Nacional da CPT

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