quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Caminhos e Descaminhos que Conduzem a Sonora: política de incentivo à colonização do norte de Mato Grosso do Sul a partir de 1970.




Artigo apresentado no Congresso Internacional de História em Maringá-PR.
Título: Caminhos e Descaminhos que Conduzem a Sonora: política de incentivo à colonização do norte de Mato Grosso do Sul a partir de 1970.
Mestranda: Beatriz dos Santos de Oliveira Feitosa.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges.
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
Instituição Financiadora: CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

A proposta deste trabalho é compreender as condições históricas que possibilitaram a colonização do Vale do Correntes, região de fronteira entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, como conseqüência de um processo de mudança em toda a estrutura do campo brasileiro, apontando momentos mais remotos que são importantes na compreensão do assunto e dando ênfase sobretudo, à modernização agrícola e aos efeitos da mesma no período posterior aos anos de 1970. Ao traçar um caminho para compreender essa realidade remeto-me à obra de Josep Fontana para quem “(...) As nossas recordações não são os restos descoloridos de uma imagem fotográfica que reproduz fielmente a realidade, mas sim uma construção que fazemos a partir de fragmentos de conhecimento que já eram, na sua origem, interpretações da realidade e que, ao voltarmos a reuni-los reinterpretamo-lo à luz de novos pontos de vista (...)”(Fontana,1998).
Sendo assim, para se chegar a interpretar a realidade, há uma necessidade de investigá-la e, foi desta forma que nos propomos a contribuir para com este “fazer História”, que parta do acontecimento com tudo que tem de complexo e peculiar, não para isolá-lo como algo único, mas sim para colocar à prova o marco interpretativo e enriquece-lo ao mesmo tempo (FONTANA, 1998). Para realizarmos esta pequena construção histórica, tomamos como referência para posteriores interpretações, autores diversos, que tratam da questão agrária brasileira, bem como dos processos de transformação da sociedade, tais como colonização, burocratização, modernização e industrialização que, de acordo com Barros (2004) compõem o vasto campo da História Social. Compartilho das ideias de Albuquerque Júnior para quem os lugares que interessam para o historiador não é aqueles que escapariam do tempo, que seria um pedaço de passado encravado no presente, como uma cena estática e muda, como “lugares de memória” ou lócus de tradições, mas lugares entendidos como palimpsestos, como fruto da sedimentação de camadas sucessivas de relações sociais e de sentidos culturais (2008:85).
As análises aqui realizadas privilegiam inicialmente a questão agrícola/agrária brasileira sendo que um tempo maior foi dedicado a compreender a formação da agroindústria canavieira, caminho percorrido para que fosse possível entender o processo de concentração de terra e de renda na região estudada, a perspectiva é de buscar reconstruir a História local, que ao que tudo indica foi fortemente influenciada pela formação dos latifúndios e posteriormente do complexo agro-industrial (CAI), o que pode possibilitar melhor compreensão acerca da expansão econômica do Vale do Correntes, em Mato Grosso do Sul (região onde se localiza o município de Sonora) a partir dos anos de 1970. Isso sem perder de vista os aspectos de mudanças sociais e culturais que operam consoantes ao processo apontado, cito mais uma vez Albuquerque Júnior para quem o olhar do historiador estava treinado para perceber todos os signos da temporalidade, do passar do tempo, da mudança, da transformação, do desenvolvimento, do progresso, mas bem menos treinado para tratar estes fenômenos temporais como fenômenos que também atingem, constroem e modificam espacialidade (2008:102), a pesquisa ora iniciada busca justamente entender essa transformação espacial.
A problemática mais importante que se coloca é a de entender os problemas no campo brasileiro, especificamente na região do extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o estado de Mato Grosso. A questão agrária brasileira para Prado Júnior (1998) seria decorrente do processo de colonização européia, empreendido a partir do século XVI. O autor tratou da formação latifundiária brasileira, apontando o papel do Brasil no sistema exploratório internacional no qual estava inserido e que era o de prover o mercado europeu de produtos tropicais. Ressalta-se o grande peso dado por Caio Prado Junior ao fator econômico na formação da sociedade brasileira, segundo ele, para que se instalasse a lavoura canavieira, no território brasileiro, procedeu-se a uma destruição da cultura e da dignidade dos povos aqui existentes e dos negros vindos do continente africano, para trabalharem como escravos neste território. O que se seguiu a partir do nascimento da agricultura mercantil no Brasil foi o desrespeito contra o ser humano que passou a ser inserido como objeto naquele sistema econômico exploratório. A agricultura desse tipo no Brasil, segundo o autor, teve seu início com a plantação da cana-de-açúcar que, para comportar os interesses do latifúndio, requeria vasta extensão de terra para o seu cultivo. Além disso, a escravidão do negro e do índio eram necessários para a satisfação de outros interesses mercantilistas e racistas. Para Martins (2009:158) adiante da fronteira demográfica da “civilização”, estão as populações indígenas, sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas, nela, pelos agentes da modernização, sobretudo econômica, agentes da economia capitalista (...) da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.
A lavoura canavieira instalada no Brasil como fruto do processo de colonização e exploração, sempre esteve associada a um processo manufatureiro que resultava no produto colonial que diferentemente de outras (café, algodão, fumo, cacau) sempre implicou na sua transformação no próprio local de implantação. A atividade fabril sempre se manteve sob controle do proprietário fundiário, desta forma foram constituídos os engenho (RAMOS, 1991), que se confundiam inicialmente com as sesmarias e caracterizou a ocupação da faixa litorânea do território brasileiro.
Quanto à cana-de-açúcar, a principal região produtora no período passou a ser São Paulo. Para o cultivo da mesma se promoveu a devastação da mata em larga escala, propiciando o surgimento de terras estéreis e de desertos. O que se pode notar nesse processo é o descaso com os recursos naturais: mata destruída e solo explorado à exaustão.
Para se promover esta mudança na forma capitalista de exploração no país, recorreu-se ao capital estrangeiro. Esse processo ocorrido fundamentalmente entre 1870 e 1930 promoveu uma “modernização conservadora” no campo. O latifúndio foi mantido e o Estado foi chamado a financiar a transformação do engenho burguês em engenhos maiores, o que propiciou o surgimento das usinas.
O campo começou a se industrializar e aos poucos passou a ser entendido como um conjunto de atividades econômicas que incluíam a terra como meio de produção(Muller, 1989), sob o capitalismo, a partir daí, ocorreu gradativamente, a formação dos complexos agro-industriais, o que não resolveu o problema do abastecimento interno do país, pelo contrário. A modernização dos latifúndios e a conseqüente formação do CAIs – Complexos Agro-industriais da atualidade, aliados a modernização da agricultura, o implemento de máquina e equipamentos modernos aumentaram a produtividade das grandes propriedades (que produziam para alimentar o mercado externo), acabaram gerando exclusão social e aumentando o desemprego no campo e na cidade.
A partir de 1930, o Estado passou a controlar e direcionar melhor a cultura da cana. A fase inicial da ação do Estado no setor, está associada à crise açucareira de 1929, (Bray; Ferreira; Ruas, 2000) momento que o país perdeu parcela do mercado exterior e necessitou deslocar ainda mais o açúcar produzido para o mercado interno, principalmente o açúcar nordestino, distante do principal mercado nacional, o Centro-Sul em expansão.
O retorno do Brasil ao comércio exportador, com envergadura, se deu a partir de 1960. a política que orientou o desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, nesta década, teve por objetivo o incremento das exportações de açúcar e a ampliação do parque industrial e das lavouras de cana. O favorecimento do Estado à iniciativa privada concentrada, alcançou outros setores da economia brasileira: a cultura da soja, por exemplo, assim como a cana-de-açúcar, a soja está inserida no complexo agroindustrial e recebeu o apoio do Estado que concedeu subsídios para a instalação de indústrias para o seu beneficiamento. Segundo Maitelli e Zamparoni (2007), o Estado de Mato Grosso, situado na região do Centro-Oeste do Brasil, teve, nas últimas décadas, importantes modificações na sua paisagem natural, originárias do modelo de desenvolvimento do país, cujas bases consistiram na incorporação de novas terras agrícolas para impulsionar a ocupação da Amazônia, a cultura da soja também foi um importante veículo de transformação do espaço ora estudado.
Durante a Ditadura Militar e a Nova República, o crédito rural subsidiado e os preços mínimos continuaram voltados primordialmente, para a modernização conservadora da agropecuária, finalmente, sob o Neoliberalismo, parcela do crédito rural ficou a cargo dos bancos privados e das agroindústrias (Bray; Ferreira; Ruas, 2000). Com a abertura econômica para o exterior, produtos agrícolas estrangeiros, ingressaram em grande quantidade no mercado nacional, criando uma crise agrícola, normalmente por serem melhores e mais baratos, mas, principalmente por causa da sobrevalorização do real frente ao dólar. Esse quadro passou a ser revertido quando a moeda brasileira sofreu brusca desvalorização frente à moeda dos Estados Unidos, de 1998 em diante.
A manutenção do PROÁLCOOL, a exportação de açúcar, o crescimento da urbanização brasileira e a adição de álcool carburante à gasolina comum são mercado e ganhos atuais para a expansão da agroindústria canavieira, mas não para os trabalhadores rurais em geral, estes continuaram enfrentando os efeitos da expansão da modernização agrária conservadora, que PALMEIRA (1989) chamou de modernização perversa.. Quanto à agricultura canavieira, houve neste setor uma desvalorização do trabalho com o crescimento do número de bóias-frias. No município de Sonora que se encontra na região que é objeto do presente estudo, o desemprego é uma realidade e se reflete em seus desdobramentos na exclusão de um grande número de trabalhadores dos postos de trabalho e na presença de andarilhos no perímetro urbano.
O meio ambiente e as pessoas não ficaram imunes a todos esses acontecimentos e passaram a ser penalizados, principalmente por causa das queimadas e dos subprodutos agro-industriais, por vezes jogados sem tratamento e impunemente no meio ambiente. A polêmica sobre as queimadas da cana e os impactos ambientais por ela causados tem apressado o processo de substituição dos cortadores por máquinas que fazem a colheita da cana sem queimá-la, o que inevitavelmente irá ampliar o número de desempregados.
Neste contexto de mazelas sociais provocadas pela concentração de terras e modernização conservadora da agropecuária, supomos que a solução não está nos complexos agro-industriais, retomando o clássico PRADO Jr. o primeiro e principal passo, no momento, para sairmos dessa situação ao mesmo tempo dolorosa e humilhante para nosso país é (...) a modificação das condições reinantes no campo brasileiro e a elevação dos padrões de vida humana que nele dominam. (...)
No texto, “ A História Legal da Terra na Fronteira e a Questão da Autoridade”, FOWERAKER (1982), trata da questão da ocupação de terras no Brasil, desde o período da ocupação colonial, passando pela discussão da Lei de Terras de 1850 e tratando da questão política que está intrinsecamente ligada à história legal das terras. O texto aponta o papel do posseiro nesse processo de ocupação.
Entretanto, para que seja possível tratar da questão de posse, propriedade e titulação, faz-se necessária a compreensão da importância que terra adquiriu no mundo contemporâneo, mais especificamente na sociedade brasileira atual, ressaltando-se a necessidade de fugir de um quase inexorável maniqueísmo do qual muitas vezes a tentativa de compreensão da realidade se torna vítima. Sendo assim, dentre as várias definições é necessário salientar uma mais contemporânea em que a terra é tida como: meio de produção e, considerando o caráter neoliberal que permeia todas as modernas relações, inclusive a relação do ser humano com a terra, o que se processa é a intensa mercantilização desse bem. Segundo Martins (1986) “antes do advento do capitalismo, nos países europeus, o uso da terra estava sujeito a um tributo, ao pagamento da renda em trabalho, espécie ou dinheiro. Essas eram formas pré-capitalistas de renda decorrentes unicamente do fato de que algumas pessoas tinham o monopólio da terra, cuja utilização ficava, pois, sujeita a um tributo. O advento do capitalismo não fez cessar essa irracionalidade. Ao contrário, a propriedade fundiária, ainda que sob diferentes códigos, foi incorporada pelo capitalismo, contradição essa que se expressa na renda capitalista da terra.”
Nesse ponto é possível retomar a discussão acerca de posse que, no sentido original, é o resultado de um processo de ocupação a partir do qual se dá o assenhoreamento de coisa sem dono. Nesse sentido, o valor da propriedade assenhoreada seria o equivalente ao trabalho empregado na mesma, porém de acordo com o caráter neoliberal exposto anteriormente, a terra deixou de ter apenas o valor do trabalho nela empregado e passou a ser expediente de lucros através da especulação.
FOWERAKER (1982), aponta que ocorreu uma mudança no controle das terras devolutas, que por sua vez vão para o poder da iniciativa privada para o capital particular basicamente. Ressalta-se aqui a intrínseca relação entre Terra e Poder, assunto brilhantemente tratado por Gislaine Moreno no livro “Terra e Poder em Mato Grosso: política e mecanismos de burla(1892-1992)” que dentre inúmeras questões trata dos efeitos da apropriação capitalista de grandes porções de terra no estado de Mato Grosso. Na medida em que o Estado transfere ou simplesmente, facilita a aquisição de terras para os grandes grupos de interesses econômicos particulares, acaba por diminuir as possibilidades reais de o posseiro conseguir uma propriedade legal de terra (Moreno,2007). Esse expediente, fez com que determinados grupos aumentassem seu poder se utilizando muitas vezes da força para alcançar seus objetivos, burlando desta forma o que está convencionado pela sociedade (lei). FOWERAKER aponta que, a história da legalização das terras em mãos de particulares, é uma história política, e neste ponto é possível retomar a discussão do poder considerando que cargos públicos também são formas de amealhar poder e de utilizar a lei em benefício próprio. O autor faz alusão a um problema brasileiros dos anos de 1980, que nos parece ainda muito pertinente aos problemas fundiários da atualidade. Nesta caso específico, acredita-se que o estudo desse autor é bem empregado na tentativa de compreender a formação latifundiária e excludente da região do Vale do Correntes. O peso maior da participação do Estado e como conseqüência do poder político na decisão sobre o controle das terras brasileiras ocorreu, sobretudo, na forma de fomentos, bastante intensificados pelo governo entre os anos de 1940 e 1950, e que ainda estão presentes na atualidade, sob a forma de financiamentos bancários, crédito, micro-crédito e bolsas com fins variados.
No tocante ao tema específico do presente trabalho, os mencionados fomentos estatais influenciaram enormemente na conformação econômica da região, pois no ano de 1975 foi instalada no Vale do Correntes uma Companhia Agrícola, responsável por um processo de expulsão e desapropriação do pequeno produtor que resultou num processo de concentração fundiária sem precedentes na região.
A interferência do Estado brasileiro no controle e direcionamento da cultura canavieira passou a ocorrer no início dos anos de 1930 (Bray; Ferreira & Ruas, 2000), mas a partir de 1960 esse controle se deu com maior intensidade no Centro-Oeste. COSTA (mimeo) mostrou que esta década foi o marco histórico inicial das transformações na agricultura, promovida por um determinado modelo de sociedade que se pretendia construir, no qual uma maior produção agrícola supostamente traria resultados positivos para a estratégia de desenvolvimento adotada. E isso não foi obtido nem no estado de Mato Grosso, nem no estado de Mato Grosso do Sul, na perspectiva da maioria dos trabalhadores rurais destes estados. A agricultura brasileira tem um problema chave, pois ao mesmo tempo que precisa fortalecer o mercado externo, necessita também aumentar a produtividade de bens de consumo interno. Porém, com a modernização conservadora da agricultura, tem-se uma redução no número de pequenas propriedades, que são as que produzem os bens de consumo interno, visto que nos “CAIs” o que prevalece é a produção em larga escala dos produtos de exportação e esses avançaram em área sobre a pequena produção. Segundo NASCIMENTO(1997), o aspecto principal dessa “modernização via Estado”, promoveu uma expansão subsidiada do latifúndio, que se modernizou (mecanização, utilização de novos insumos), tornando-se capaz de produzir em larga escala, porém não houve geração de empregos correspondente e o que se efetivou foi a expulsão, quando não expropriação do trabalhador do campo. Este não é o ponto de vista de MULLER(1989), para quem o complexo agro-industrial pode atender tanto o mercado externo quanto o interno na produção de gêneros de subsistência. Outro ponto de vista contrário ao de MULLER, pauta-se em PRADO Jr.(1998), que ao defender a pequena propriedade, mostrou que o implemento de máquinas e equipamentos modernos (que visam principalmente a produção para abastecer o mercado externo) aumentou a exclusão social no campo, assim como o desemprego. A questão que pretendemos discutir é a degradação social, econômica e ambiental, promovida a partir do processo de concentração fundiária, promovida pela ação das frentes de expansão da fronteira agrícola, que além de privilegiar um número restrito de pessoas é prejudicial ao desenvolvimento econômico da região, na medida que a pequena propriedade que vem perdendo espaço para os CAIs é aquela que produz majoritariamente os gêneros de consumo dos quais as pessoas necessitam.
O presente estudo se pauta na análise dos processos relacionados a questões relacionadas à terra, à colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Swain (1988), Monbeig (1984), Waibel (1979) e Martins (2009).
Para Tânia Navarro Swain, “A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)
Sustentamos o presente estudo em autores que analisam processos relacionados a questões da terra, da colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, para quem “a apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)
No tocante à compreensão sobre fronteiras utilizamos os conceitos de criados por Waibel. segundo Waibel, a questão é se ainda “temos tais zonas pioneiras no Brasil e, em caso afirmativo, onde estão localizadas (...) o que exige uma melhor definição dos conceitos de frontier e pionner” (1979: 281).
Segundo Waibel, o conceito de pioneiro “significa mais do que o conceito de frontiersman, isto é, do indivíduo que vive numa fronteira espacial. Nem o extrativista e o caçador, nem o criador de gado, podem ser considerados como pioneiros; apenas o agricultor pode ser denominado como tal, estando apto a constituir uma zona pioneira. Somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural e de alimentar um grande número de pessoas numa área pequena. , 1979: 282) emprega o conceito de pioneiro também para indicar a introdução de melhoramentos no campo da técnica e da vida espiritual. Para este autor
“só falamos de uma ‘zona pioneira’ (...) quando subitamente por uma causa qualquer a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de uma forte corrente humana” ( 1979: 282).

De grande relevância ainda para o presente estudo foi a obra de Martins (2009), para quem o termo fronteira, no Brasil, é tratado de forma particular por geógrafos e antropólogos. Para os primeiros, como um termo que designa uma zona pioneira ou uma frente pioneira. Os segundos, sobretudo a partir dos anos cinqüenta, definiram essas frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes de expansão.
Buscando explicitar melhor essa diferença Martins (2009) apresenta a posição assumida por diferentes autores, mas, nos limites desse estudo, restringimo-nos a apresentar as considerações de Martins sobre os conceitos defendidos por Darcy Ribeiro, Pierre Monbeig, Roberto Cardoso de Oliveira, Arthur Nehl Neiva.
A designação de frentes de expansão formulada por Darcy Ribeiro, como “fronteiras de civilização”, tornou-se uso corrente até mesmo entre antropólogos, sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização. Ela expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.
Tais definições parecem apontar que a concepção dos antropólogos sobre a expansão é mais ampla, pois incorpora os índios, desconsiderados pelos geógrafos.
Pierre Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no oeste de São Paulo como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem pela construção de ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão.
A concepção de frente pioneira, para Martins, “compreende implicitamente a ideia de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais. (...) A frente pioneira é também a situação espacial e social que convida ou induz à modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança social. (2009), para Martins , a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade, do conflito de terras ou conflito social: “Na minha interpretação, a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso que faz dela uma realidade singular, À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado e os camponeses pobres, do outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro (...) a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte antagônica do Nós...” (Martins, 2009).
No que diz respeito à localização das zonas pioneiras Waibel considera que “No Brasil as zonas pioneiras não são um fenômeno primário da conquista de novas terras, mas uma conseqüência da mesma. (...) Nestas áreas insuladas de mata os colonos penetraram não só a partir do leste, mas, também, do sul e do norte, e em parte do oeste, fazendo assim uma penetração pela retaguarda.(Waibel, 1997).
A partir da reflexão dos conceitos de fronteira, zonas pioneiras e zonas de expansão dos autores supramencionados, Martins (2009) sente-se à vontade para fazer uma primeira datação histórica: adiante da fronteira demográfica ou da “civilização”, estão as populações indígenas que sofrem as conseqüências dos processos de expansão. Entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas, também, pelos agentes da modernização que se constituem em agentes da economia capitalista que vai além da economia de mercado. São agentes de mentalidade inovadora, urbana e empreendedora. Ao que tudo indica essa mentalidade esteve presente entre os agentes de colonização da região estudada, assunto que exigirá uma atividade intelectual de maior profundidade e que por ora são caminhos pelos quais ainda dou meus primeiros passos.




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