quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Fichamento do Capítulo II do livro de Bourdieu "O Poder Simbólico"

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomas. 12. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. (cap. II)
Convenções:
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Citações
P. 18
“Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades.”
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“Mas é talvez a melhor e a única maneira de se evitar decepções muito mais graves – como a do investigador que cai do pedestal, após bastantes anos de automistificação, durante os quais despendeu mais energia a tentar conformar-se com a ideia exagerada que faz da pesquisa, Istoé, de si mesmo como investigador, do que a exercer muito simplesmente o seu ofício.”
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“exposição sobre uma pesquisa [...] É um discurso em qua a gente se expões, no qual se correm riscos...”
P.19
“O homo academicus gosta do acabado. [...] descobri que pintores como Couture, o mestre de Manet, tinham deixado esboços magníficos, muito próximos da pintura impressionista- que se fez contra eles – e tinham muitas vezes estragado obras julgando dar-lhes os últimos retoques, exigidos pela moral do trabalho bem feiot, bem acabado, de que a estética acadêmica era a expressão.”
P.20
“O cume da arte, em ciências sociais, está sem dúvida em ser-se capaz de pôr em jogo ‘coisas teóricas’ muito importantes a respeito de objectos ditos ‘empíricos’ muito preciso, frequentemente menores na aparência, e até mesmo um pouco irrisórios.[...] O sociólogo poderia tornar sua a fórmula de Flaubert: ‘pintar o medíocre’.
É preciso saber converter problemas muito abstractos em operações científicas inteiramente práticas[...]”
P. 21
“Só se pode realmente dirigir uma pesquisa[...] com a condição de a fazer verdadeiramente com aquele que tem a responsabilidade directa dela: o que implica que se trabalhe na preparação do questionário, na leitura dos quadros estatísticos ou na interpretação dos documentos, que se sugiram hipóteses quando fora caso disso, etc.- é claro que não se pode, nestas condições, dirigir verdadeiramente senão um pequeno número de trabalhos, e aqueles que declaram ‘dirigir’ um grande número deles não fazem verdadeiramente o que dizem.”
P.23
“O habitus científico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em estado prático segundo as normas da ciência sem ter estas normas na sua origem [...] O sociólogo que procura transmitir um habitus científico parece-se mais com um treinador desportivo de alto nível do que com um professor da Sorbone. Ela fala pouco em termos de princícpio e de preceitos gerais – pode, decerto enunciá-los, com eu fiz em Le Métier de sociologue, mas sabendo que é preciso não ficar por aí (nada há pior, em ceeto sentido, que a epistemologia, logo que ela se transforma em tema de dissertação ou em substituto da pesquisa). Ele procede por indicações prática, assemelhando-se nisso ao treinador que imita um movimento[...]ou por ‘correções’ feitas à prática[...].”
P. 24-25
“procede-se frequentemente como se o que pode ser reivindicado como evidence fosse evidente. O que se faz em função de uma rotina cultural, a maior parte das vezes imposta e inculcada pela educação [...]. O feticismo da evidence leva à recusa dos trabalhos empíricos que não aceitem como evidente a própria definição de evidence:[..].”
P. 25
“a mais elementar sociologia da sociologia ensina que, frequentemente, as condenações metodológicas são uma maneira de tornar a necessidade em virtude, de fingir que ignora [...] o que, muito simplesmente, se ignora.”
P. 26
“Pode-se, por exemplo utilizar a análise das correspondências para fazer uma análise de discurso[...] ou combinara a mais clássica análise estatística com um conjunto de entrevistas em profundidade ou de observações etnográfica [..]. a pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil para se poder tomar a liberdade confundir a rigidez, que é o contrário da inteligência e da invenção, com o rigor, e se ficar privado deste ou daquele recurso entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto das tradições intelectuais da disciplina- e das disciplinas vizinhas: etnologia, economia, história [...].”

P. 26-27
“a construção do obecto [...] não é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de acto teórico inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efectua não é um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de emendas, sugeridos por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas.”
P. 28-29
“é preciso pensar relacionalmente. Com efeito, poder-se-ia dizer deformando a expressão de Hegel: o real é relacional.”
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“É para romper com este modo de pensamento – e não pelo prazer de colar um novo rótulo em velhos frascos teóricos – que empregarei o termo campo de poder (de preferência a classe dominante, conceito posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legítima do poder [...].”
P. 30
“Procurar não cair na armadilha do objecto pré-construído não é fácil, na medida em que se trata, por definição, de um objecto que me interessa, sem que eu conheça claramente o princípio verdadeiro desse ‘interesse’.”
P. 31
“Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, poque ela nada é fora das suas relações com o todo.”
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“[...]o limite de um campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente ou uma instituição faz parte de um campo na medida em que nele sofre efeitos ou que nele os produz[..].”
P. 32
“Construir o objecto supõe também que se tenha, perante os factos, uma postura activa e sistemática.”

P. 33
“o modus operandi [...] transmitir-se-á, de certa maneira, praticamente, sem que haja necessidade de o explicitar teoricamente, pelo acto repetido a respeito de casos diferentes. Ca um, ao ouvir os outros, pensará na sua própria pesquisa, e a situação de comparação institucionalizada que é assim criada [...]. No tempo em que eu era mais directivo, aconselhava firmemente os investigadores a estudarem pelo menos dói objectos[..].”
P. 35
“Uma prática científica que se esquece de se pôr a sim mesma em causa não sabe, propriamente falando, o que faz. Presa no objecto que toma para objecto, ela descobre qualquer coisa do objecto, mas que não é verdadeiramente objectivado pois se trata dos próprios princípios do objecto.”
P. 37
“descobrir-se-á que o problema, aceite como evidente pelo positivismo vulgar [...] foi socialmente produzido num trabalho colectivo de construção da realidade social e por meio desse trabalho[...].”
P. 38-39
“ Nas ciências sociais, como se sabe, as rupturas epistemológicas são muitas vezes rupturas sociais, rupturas com as crenças fundamentais de um grupo e, por vezes, com as crenaçs fundamentais do corpo de profissionais, com o corpo de certezas partilhadas que fundamenta a communis doctorum opinio.”
P. 41
“enquanto você permanecerem na ordem da aparência socialmente constituída, todas as aparências estarão a vosso favor, convosco, - até mesmo as aparências de cientificidade. Pelo contrário, desde que vocês comecem a trabalhar num verdadeiro objecto construído, tudo se tornará difícil: o progresso ‘teórico’ gera um acréscimo de dificuldades ‘metodológicas’. Os ‘metodólogos’ não terão dificuldades em encontrar o pequeno erra nas operações que é preciso fazer para apreender, assim-assim, o objecto construído.”
P. 42
“é preciso muitas vezes, para se fazer ciência, evitar as aparências de cientificidade, contradizer mesmo as normas em vigor e desafiar os critérios correntes do rigor científico[...].”
P.43
“Entre essas críticas, preciso dar um lugar à parte àqueles que vêm da etnometodologia, embora, em certas formulações, elas se confundam com as conclusões dos mais irresponsáveis leitores dos filósofos franceses contemporâneos, que reduzem os discursos científicos a estratégias retóricas a respeito de um mundo reduzido, ele próprio, ao estado de texto.”
P. 44
“esta espécie de double bind a que todo o sociólogo digno deste nome está constantemente exposto: sem instrumentos de pensamento oriundos da tradição douta, ele não passa de um amador, de um autodidacta, de um sociólogo espontâneo – e nem sempre o mais bem colocado, tão evidentes são, frequentemente, os limites da sua experiência social -, mas estes instrumentos fazem que ele corra um perigo permanente de erro, pois se arrisca a substituir a doxa ingênua do senso comum pela doxa do senso comum douto, que atribui o nome de ciência a uma simples transcrição do discurso de senso comum.”
P. 47
“cada vez com mais freqüência, a ciência arrisca-se a registrar, sem saber, os produtos de práticas que invocam a seu favor a ciência.”
P. 48
“O termo ideologia pretende marcar a ruptura com as representações que os próprios agentes querem dar da sua própria prática: ele significa que não se deve tomar à letra as suas declarações, que eles têm interesse, etc.; mas, na sua violência iconoclasta, ele faz esquecer que a dominação à qual é preciso escapar para o objectivar só se exerce porque é ignorada como tal; o termo ideologia significa também que é preciso reintroduzir no modelo científico o facto de a representação objectiva da prática dever ter sido construída contra a ‘verdade objectiva’ desta experiência ser inacessível à própria experiência.”
P. 49
“A ruptura é, com efeito, uma conversão do olhar e pode-se dizer do ensino da pesqusa em sociologia que ele deve em primeiro lugar ‘dar novos olhos’ como dizem por vezes os filósofos iniciáticos.”
P. 50
“o director de pesquisa, se quisesse cumprir verdadeiramente a sua função, deveria desempenhar por vezes o papel, efectivamente perigoso e em qualquer caso injustificável, de ‘director de consciência’.
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“Muitas vezes, é só ao cabo de um verdadeiro trabalho de socioanálise que se pode realizar o casamento ideal de um investigador e do seu ‘objecto’, por meio de toda uma séroe de fases de sobreinvestmento e de desinvestimento.”
P. 53
“A consciência dos limites da objectivação, objectivista levou-me a descobrir que existe no mundo social, em especial no mundo universitário, toda uma série de instituições que produzem o efeito de tornar aceitável a distância entre a verdade objectiva e a verdade vivida daquilo que se faz e daquilo que se é[...].”
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“Como passar para além de uma descrição inteligente, mas sempre sujeita a ‘fazer pleonasmo com o mundo’ como dizia Mallarmé?
P. 55
“ O espaço de interacção é o lugar da actualização da intersecção entre os diferentes campos.
P. 56-57
“O que resulta de todas estas relações objectiva, são relações de força simbólicas que se manifestam na interacção em forma de estratégias retóricas[...]”

P. 57
“quando se trata, numa palavra, de se situar meta, acima de, unicamente pela força do discurso, é-se tentado a fazer uso da ciência das estratégias que os diferentes actores aplicam, a fim de fazerem triunfar a sua ‘verdade’ para dizer a verdade do jogo, e par triunfarem assim no jogo.”
P. 58
“É preciso, de certo modo, ter-se renunciado à tentação de se servir da ciência para intervir no objecto, para se estar em estado de operar um visão global que se tem de um jogo passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele.[...] A objectivação participante, sem dúvida, o cume da arte sociológica, por pouco realizável que seja, só o é se se firmar numa objectivação tão completa quanto possível do interesse a objectivar o qual está inscrito no facto da participação, e num pôr-em-suspenso desse interesse e das representações que ele induz.”

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