quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Implicações Econômica, Sociais e Existenciais da Ocupação de Sonora-MS

IV Encontro sobre Economia Mato-grossense

Beatriz dos Santos de Oliveira Feitosa (Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado em História da Universidade Federal de Mato Grosso)

Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges (Professor nos Mestrados em História e Economia da Universidade Federal de Mato Grosso , Diretor da Faculdade de Economia da UFMT e Orientador do presente estudo)


Implicações Econômicas, Sociais e Existenciais da Ocupação de Sonora-MS.

Vislumbro a possibilidade de abordar no presente texto, concepções metodológicas presentes na obra de BAUMAN(2005), para quem “a metodologia utilizada para abordar um assunto busca acima de tudo “revelar” a miríade de conexões entre o objeto da investigação e outras manifestações da vida na sociedade humana”. São essas conexões que tenho buscado fazer em relação ao estudo da região do Vale do Correntes, onde está localizado o município de Sonora no extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul. No intuito de compreender os “(Des) Caminhos que Conduzem a Sonora” bem como as políticas de incentivo ao processo de ocupação do extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul a partir de 1970”, busco entender as questões concernentes ao incentivo governamental na forma de créditos subsidiados que possibilitaram a colonização privada na região do Vale do Correntes, onde atualmente está localizado o município de Sonora ao norte do estado de Mato Grosso do Sul, procuro entender ainda a dinâmica da fronteira que levou à formação daquele espaço, bem como a questão de territorialização, desterritorialização e concepções de identidade com base em autores que trabalham com questões concernentes aos Territórios e Fronteiras.
Até a divisão do estado, a região em foco fazia parte do Estado de Mato Grosso. Em 1977, com a divisão, estudos sobre a agroindústria canavieira se voltaram para a região do Vale do Correntes, onde encontra-se situado o município de Sonora. A mencionada região, ao contar com os créditos estatais referenciados conseguiu a instalação da Usina Aquárius, hoje "Companhia Agrícola Sonora Estância", tendo sido beneficiada com o processo de modernização promovido pelo estado, e se convertido em marco dessa "modernização conservadora", cuja conseqüência imediata acabou ocasionando um redirecionamento de fronteiras que possibilitou a concentração de terras, a intensa pecuarização e a desterritorialização do trabalhador rural.
A formação daquele território e das identidades ou do embate entre essas identidades que se encontram ali presentes parecem fazer parte de um quadro geral da sociedade brasileira dos anos de 1970 é o que aponta o jornal “Defesa” no ano de 1975.
“O norte do Mato Grosso começa a repetir a tristemente conhecida história da colonização do norte do Paraná , onde a luta pela terra, com o sacrifício físico e sanguinolento dos contendores era lugar comum.
Aqui também, já é comum a luta fratricida por plano de terra. Veja-se a estatística criminal e constate-se que 60% dos crimes ocorridos no norte do estado são oriundo de questões de terras.

O artigo do jornal Defesa, de 1975 aponta para a questão da formação do território brasileiro e a violência que a constituição desse território teria gerado, isso pode indicar que os embates teriam levado ao fato de que uma parte da população teria tido acesso a esse território enquanto outra parcela desta população teria sido desterritorializada, não nos cabe nos limites do presente texto discutir as questões de formação de propriedades, em que bases e mediante quais métodos, o que interessa nos limites desta produção diz respeito a uma questão de operacionalização de conceitos e ao tratar da questão da desterritorialização, não poderia deixar de citar HAESBAERT (2006), para quem “o mito da desterritorialização é o mito dos que imaginam que o homem pode viver sem território, que a sociedade pode existir sem territorialidade, como se o movimento de destruição de territórios não fosse sempre, de algum modo, sua reconstrução em novas bases (HAESBAERT:2005)”.
O termo desterritorialização é novo, entretanto os argumentos utilizados em torno dessa questão não são inéditos como aponta HAESBAERT (2005), ao afirmar que “muitas posições de Marx em “O Capital” e no “Manifesto Comunista”revelavam claramente uma preocupação com a “desterritorialização”capitalista, seja a do camponês expropriado, transformado em “trabalhador livre”, e seu êxodo para as cidades, seja a do burguês mergulhado numa vida em constante movimento e transformação, onde “tudo que é sólido desmancha no ar”na famosa expressão popularizada por BERMAN (1986)”.
Neste debate em torna da questão da desterritorialização, Haesbaert alerta para o fato de que para entender a desterritorialização é necessário entender primeiramente o que se concebe como território o autor alerta para o fato de que se “a desterritorialização existe, ela está referida sempre a uma problemática territorial e, consequentemente, a uma determinada concepção de território. Para uns, por exemplo, desterritorialização está ligada à fragilidade crescente das fronteiras, especialmente das fronteiras estatais- o território, aí, é sobretudo um território político. Para outros, desterritorialização está ligada à hibridização cultural que impede o reconhecimento de identidades claramente definidas, um território simbólico, ou um espaço de referência para a construção de identidades”.
Parece-me que a obra de BAUMAN (2005) caminha de um pólo à outro das concepções apontadas por Haesbaert, visto que para ele ao mesmo tempo que considera “a questão da identidade como estando ligada ao colapso do Estado de bem-estar social e ao posterior crescimento da sensação de insegurança, com a “corrosão do caráter” que a insegurança e a flexibilidade no local de trabalho têm provocado na sociedade”. Considera também a identidade “como algo revelado a ser inventado, e não descoberto”. Em suma, o discurso que procura estabelecer uma identidade é claramente ideológico, defende interesses que não são necessariamente legítimos.
Enquanto para Haesbaert a desterritorialização é um mito e o que existe na verdade são territórios múltiplos, Bauman fala da existência de desterritorializados “num mundo de soberania territorialmente assentada. Ao mesmo tempo que compartilham a situação de subclasse, eles, acima de todas as privações, têm negado o direito à presença física dentro de um território sob lei soberana, exceto em “não-lugares” especialmente planejados, denominados campos para refugiados ou pessoas em busca de asilo a fim de distingui-los do espaço em que os outros, as pessoas “normais”, “perfeitas”, vivem e se movimenta”.
Ao finalizar este texto compartilho com o leitor, algumas reflexões e analogias que considero possíveis em relação à questão do “não-lugar”, penso que os barracões e alojamentos criados especificamente para os trabalhadores do corte de cana-de-açúcar, em regiões como a do Vale do Correntes, por exemplo, podem ser entendidos como “não-lugares”, pois é o espaço, onde o trabalhador, desterritorializado de seu lugar de origem e sofrendo os efeitos de uma fragmentação da sua identidade e, em alguns casos até mesmo a perda desta, momentos em que chegam à condição de verdadeiros lixos humanos, habitando a tênue fronteira que os separa da condição de seres humanos, os barracões são espaços de uma vida em suspense, à espera sempre do momento de retorno para os locais de origem onde, em geral o que aguarda a maioria desses trabalhadores é uma situação de marginalização social e pobreza. Destaca-se o fato de que a geração que nasceu nos anos de 1970, está sofrendo os efeitos da formação do mundo contemporâneo, especialmente dos anos de 1990, momento em que as pessoas deixam de ser desempregadas e se tornam “redundantes”, ou seja, passam a não ter mais espaço e conforme as palavras de BAUMAN (2005), passam a ser refugo, lixo. A trajetória dos referidos trabalhadores é marcante, visto que o limite entre exclusão e inclusão é muito tênue.

















REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA




BAUMAN, Zygmunt. “Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi”. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005

BAUMAN, Zygmunt. “Vidas desperdiçadas”. Tradução de Carlos Aberto Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005.

BERMAN, Marshall. “Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade”. Trad. de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Cia. das Letras, 1986.

BRAY, Silvio Carlos; FERREIRA, Enéas Rente; RUAS, Davi Guilherme Gaspar. “As Políticas da Agroindústria Canavieira e o Proálcool no Brasil”. Marília: Unesp-Marília-Publicações, 2000.


FIGUEIRA, Ricardo Rezende. “Pisando Fora da Própria Sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo.” Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2004.

HAERBAERT, Rogério. “O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

HALBWACHS, Maurice. “ Memória Coletiva” .São Paulo: Vértice, 1990.
LE GOFF. Jacques. “ História e Memória”. São Paulo: editora da UNICAMP, 1994.

MARTINS, José de Souza. “Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano”.São Paulo: Hucitec, 1997.

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