quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Relatos Orais: do "indizível" ao "dizível"

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos Orais: do “indizível” ao “ dizível” . in: SIMSON, Olga Moraes Von. Experimentos com Histórias de Vida (Itália-Brasil). São Paulo: vértice, 1988. P. 14-43.
“(...) Quanto a Jonh Dollard, sua preocupação era as implicações psicológicas das histórias de vida. (...)subjetivismo do informante, o que deturparia sua narrativa. (...) o relato oral (...) técnica útil para registrar o que ainda não se cristalizara em documentação escrita, o não conservado, o que desapareceria se não fosse anotado; servia, pois, para captar o não explícito, quem sabe memso o indizível.” P. 15
“O relato oral está, pois, na base da obtenção de toda a sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber(...) a escrita, quando inventada, não foi mais do que uma nova cristalização do relato oral.” P. 16
“Desde que o processo de transmissão do saber se instala, implica imediatamente na existência de um narrador e de um ouvinte ou de um público.(...) A única forma de se conservar o relato por longo tempo está ainda em sua transcrição. Volta-se ao que se acreditava evitar com o gravador, isto é, à intermediação escrita entre o narrador e o público para a utilização do relato, e às possíveis deturpações dela decorrentes. P. 17
“(...)ao utilizar o relato, o pesquisador o fará de acordo com suas preocupações e não com as intenções do narrador, isto é, as intenções do narrador serão forçosamente sacrificadas. (...) desde o início da coleta do material, quem comanda toda a atividade é o pesquisador, pois foi devido a seus interesses específicos que se determinou a obtenção do relato. (...)” P. 18
“História oral é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar.(...) busca-se uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo. (...)Na verdade tudo quanto se narra oralmente é história, seja a história de alguém, seja a história de um grupo, seja história real, seja ela mítica.” P. 19
“(...) ora fornecem dados originais, ora complementam dados já obtidos de outras fontes. (...) Avanços e recuos marcam as histórias de vida; e o bom pesquisador não interfere para restabelecer cronologias, pois sabe que também estas variações no tempo podem constituir indícios de algo que algo permitirá a formulação de inferências; na coleta de histórias de vida, a interferência do pesquisador seria preferencialmente mínima.
Outro aspecto (...) é ser ela uma técnica cuja aplicação demanda longo tempo.(...)” P. 20
“Toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos. (...) embora o pesquisador subrepticiamente dirija o colóquio, quem decido o que vai relatar é o narrador, diante do qual o pesquisador deve se conservar tanto quanto possível, silencioso. (...) P. 21
“(...) No caso da pesquisa para esclarecer o cotidiano paulistano de pessoas de baixa renda entre 1920 e 1937, uma das questões que o pesquisador tinha em mente era saber como os informantes haviam vivenciado ocorrências como as revoluções de 1924, 1930,1932. Todavia se o informante nada dizia a respeito, também nada perguntava o pesquisador, não tentando “avivar a memória” de seu interlocutor. Ao contrário, a “falha de memória”, encontrada em vários casos, podia ser reveladora da forma de participação desta parcela de população em tais acontecimentos. (...)
“(...) autobiografia não existe, ou se reduz ao mínimo, a intermediação de um pesquisador; o narrador se dirige diretamente ao público, e a única intermediação está no registro escrito, quer se destine ou não ao texto à publicação.” P. 23
(...) a finalidade de um biógrafo, ao escrever-lhes a história, é oposta à de um pesquisador ao utilizar a técnica de histórias de vida. O primeiro fará ressaltar em seu trabalho os aspectos marcantes e inconfundíveis do indivíduo cuja existência decidiu revelar ao público. O segundo busca, com as histórias de vida, atingir a coletividade de que seu informante faz parte, e o encara, pois, como mero representante da mesma através do qual se revelam os traços desta. (..) em seu anonimato, contém o indivíduo num microcosmo as configurações que sua coletividade abarca, ao ordenar umas em relação às outras unidades, de que se compõem o grupo.” P. 24
“Embora colhidas com finalidades muito diferentes, autobiografias e biografias são perfeitamente utilizáveis pelos cientistas sociais como material de análise.(...)
Quando John Dollard examinou os critérios que tornariam aceitáveis as histórias de vida como fornecedoras de dados para o sociólogo, tropeçou justamente com o problema de estar lidando com o desenvolvimento de um indivíduo dentro de determinada sociedade e portanto, de estar abarcando o comportamento deste, e não diretamente os dados sobre a coletividade em foco. E quando, no período em que publicou seu livro, outros cientistas sociais cogitaram do aproveitamento deste tipo de material, assim como dos depoimentos orais, pareceu a muitos deles que a interferência da subjetividade do narrador falseava de maneira perniciosa as entrevistas. Franz Boas,(...) colhendo os relatos de anciãos das tribos norte-americanas, não se deixou deter por este aspecto. (..)Descobria assim a condição sine qua non para que a história de vida e os relatos orais sobre o passado pudessem ser utilizados: comportamentos e valores são encontrados na memória dos mais velhos, mesmo quando estes não vivem mais na organização de que haviam participado no passado, e assim se pode conhecer parte do que existira anteriormente e se esmaecera no embates do tempo. (...) P. 25
“ (...) todo registro de uma história de vida, mesmo quando hoje é feito por intermédio do gravador, desliga-a do contexto em que se deu a entrevista; e esta falha é mais grave se a entrevista teve lugar fora dos lugares em que o informante habita ou trabalha. (...)” P. 26
“(...) mesmo aqueles que se manifestaram de modo muito estusiástico a respeito das histórias de vida reconheceram que a utilização somente delas resultava em trabalhos limitados. (...) o belo trabalho de Germaine Tillion sobre os campos de concentração nazista em que esteve detida durante a 2ª Grande Guerra, e que teve como uma das fontes de dados, além da vivência da autora, uma larga coleta de depoimentos orais. (...) Organizou então uma coleta de dados muito mais ampla, a fim de que da complementação e do cotejo entre eles, se reformulasse uma imagem do campo de concentração cuja confiabilidade fosse muito maior do que a que resultava dos depoimentos. “ P.27
“ É certo que toda pesquisa sociológica quer utilize técnicas como a história de vida, quer outras técnicas diversas (...) ganha novas dimensões, maior profundidade, maior envergadura, desde que acompanhadas e complementadas por outras maneiras de coleta. (...) Histórias de vida de indivíduos de camadas sociais diversas a respeito de um mesmo momento ou acontecimento são, por exemplo, preciosas como fontes de dados e controle.” P. 28
“ A história de vida, como qualquer outro procedimento empregado na coleta de dados, é pois, um instrumento, não é nem coleta, nem produto final da pesquisa; ela recolhe um material bruto que necessita ser analisado. (...) França (...) até a década de 20(...) continuavam muito importantes os liames do parentesco, as alianças matrimoniais tradicionais; valorizava-se a experiência dos mais velhos, sempre respeitados ; na infra-estrutura material do cotidiano inexistiam água corrente, luz elétrica, estradas asfaltadas; e apesar da leitura e da escrita se terem difundido desde a segunda metade do séc. XIX, a transmissão de conhecimentos por via oral e pela experiência direta continuava de grande relevância, sob a orientação dos mais velhos que detinham o saber prático referente às atividades agrícolas e aos ofícios.” P. 30
“(...) Os anciãos seriam as últimas testemunhas ainda existentes de um estilo de vida que se desfazia, e esta constatação levou cientistas sociais franceses a se interessarem pela história oral em todas as suas formas. (...) Oscar Lewis se preocupou em conhecer as relações familiares de indivíduos de baixa renda no México (...) Para esclarecer a questão escolhida pelo pesquisador não é necessário recorrer a pessoas idosa; torna-se primordial destacar informantes cujos relatos cubram o campo investigado. (...) Conhecer o relacionamento no interior da constelação familiar se tornava possível através das narrativas de pais , de filhos, de parentes que com eles convivessem.” P. 31
“(...) O trabalho pioneiro se desenvolveu em S. Paulo, cidade cujo crescimento acelerado e transformações radicais constituem grandes provocações para se inquirir o que sucede com os processos de conservação das lembranças. P. 33
“ (...) Vive-se hoje um momento privilegiado para se captar, por meio de história oral, e mais particularmente por intermédio de histórias de vida ou de depoimentos pessoais, a maneira pala qual diferentes camadas sociais, diferentes grupos, homens e mulheres, várias faixas de idade estão experimentando as mudanças que ocorrem, seguno que valores as estão encarando, quais as normas que aceitam para seus comportamentos e quais as que rejeitam.
Uma técnica qualitativa como a das histórias de vida pode coexistir tranquilamente com técnicas quantitativas como a da amostragem, desde que cada uma delas seja aplicada a um momento específico da pesquisa.(...) A querela é vã; o importante é saber escolher a técnica adequada ao tipo de problema, à especificidade do dado e ao momento preciso da investigação.” P. 35
“ Se o indivíduo obedecesse a determinações exclusivamente suas e inconfundíveis, então realmente as histórias de vida seriam impróprias para uma análise sociológica. No entanto, o que existe de individual e único numa pessoa é excedido, em todos os seus aspectos por uma infinidade de influências que nela se cruzam e às quais não pode por nenhum meio escapar, de ações que sobre ela se exercem que lhe são inteiramente exteriores. Tudo isto constitui o meio em que vive e pelo qual é moldada; (...)” P. 36
“(...) a sociologia atualmente se orientou também para o subjetivismo, considerando que ele não decorre exclusivamente de bases biológicas e psicológicas, porém que se desenvolve numa coletividade, sendo portanto revelador desta. (...) P. 37
“(...) as manifestações do subjetivismo respondem sempre a algo que é exterior aos indivíduos.” P.37-38.
“Ainda que o subjetivo seja entendido como as sensações intraduzíveis, ainda assim é próprio dos indivíduos tentar compreendê-las primeiramente, e transmitir aos outros o que compreendeu; porém ao fazê-lo forçosamente utiliza os mecanismos que tem à sua disposição e que lhe foram dados pela família, pelo grupo, pela sociedade. (...)”P. 39
“As histórias de vida aparecem então como instrumentos de grande utilidade para atingir, sob a gama dos modelos de pensamento e de ação mais recentes, adquiridos no contado com a realidade sócio-cultural cotidiana, as estruturas mentais mais antigas.” P. 40

4 comentários:

Unknown disse...

Boa noite!
parabéns pela iniciativa do blog. Sou Fernando Henrique, estudante de pós graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente na UNIARA e estou procurando esse artigo "QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "Relatos orais: do 'indizível' ao 'dizível'". In: VON SIMSON, Olga Moraes. Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice; Revistas dos Tribunais, 1988. p. 14-43", para usar no meu projeto de dissertação. Queria saber se você tem uma versão do texto em pdf par disponibilizar, pois não encontrei na internet e nem para comprar.
Grato,

Fernando

meu email: fer_henrique15@hotmail.com

Tatiane Santos disse...

Boa noite, sou Tatiane Santos, estudante de Educação Física, também procurei esse artigo "QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "Relatos orais: do 'indizível' ao 'dizível'". In: VON SIMSON, Olga Moraes. Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice; Revistas dos Tribunais, 1988. p. 14-43", e não encontrei para usar no meu projeto de monografia. você ou Fernando Oliveira tem uma versão do texto em pdf par disponibilizar, pois não encontrei na internet e nem para comprar.

Agradecida!

Tatiane

meu email: thaty45b@hotmail.com

Ana Carolina disse...

Boa noite! Sou Ana Carolina, graduando de Ciências Sociais, gostaria muito de usar este artigo "QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "Relatos orais: do 'indizível' ao 'dizível'". In: VON SIMSON, Olga Moraes. Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice; Revistas dos Tribunais, 1988, em meu artigo de conclusão de curso de licenciatura, no entanto não encontrei na internet em PDF ou para comprara, Gostaria de saber se você teria a possibilidade de disponibilizar para mim.

E mail: anapedroso95@outlook.com

Desde já, obrigada!

Unknown disse...

Boa noite!

Preciso desse texto.

cidaramos@unifesspa.edu.br