terça-feira, 18 de setembro de 2007

Breve Histórico da Agricultura Brasileira no Contexto da Expansão Agrícola.





A elevada concentração de terras, a expropriação e expulsão indígena e camponesa, o PROÁLCOOL (Programa Nacional do álcool) criado em 1975 pelo governo Geisel, os financiamentos estatais, na forma de créditos subsidiados para a grande produção, a modernização conservadora da agricultura, a super-exploração de mão-de-obra, inclusive indígena, as resistências rurais dos trabalhadores, a resistência dos remanescentes de quilombola, o apoio do Estado e do poder político local, a iniciativa privada na forma de grande propriedade, são os condicionantes gerais, que compõem a realidade que nos propomos compreender.

“(...) As nossas recordações não são os restos descoloridos de uma imagem fotográfica que reproduz fielmente a realidade, mas sim uma construção que fazemos a partir de fragmentos de conhecimento que já eram , na sua origem, interpretações da realidade e que, ao voltarmos a reuni-los reinterpretamo-lo à luz de novos pontos de vista (...)”[1]

Sendo assim, para se chegar a interpretar a realidade, há uma necessidade de investiga-la e, foi desta forma que nos propomos a contribuir para com este “fazer História”, que parta do acontecimento com tudo que tem de complexo e peculiar, não para isolá-lo como algo único, mas sim para colocar à prova o marco interpretativo e enriquece-lo ao mesmo tempo (FONTANA, 1998). Para realizarmos esta pequena construção histórica, tomamos como referência para posteriores interpretações, autores diversos, que tratam desde a questão agrária brasileira, até a questão educacional, visto que o presente trabalho se constituiu numa opção metodológica para o ensino de História.
As análises aqui realizadas privilegiam inicialmente a questão agrícola/agrária brasileira sendo que um tempo maior foi dedicado à compreensão da formação da agroindústria canavieira, caminho percorrido para que fosse possível compreender o processo de concentração de terra e de renda na região estudada, visto que a proposta metodológica de ensino apontada anteriormente é a de desenvolver um material, amparado em referenciais teóricos e pesquisa de campo que possibilitem o trabalho com as questões da História local, fortemente influenciada pela formação dos latifúndios e posteriormente de um complexo agro-industrial (CAI), o que se pretende construir é um referencial para melhor compreensão acerca da expansão econômica do Vale do Correntes, em Mato Grosso do Sul (região onde se localiza o município de Sonora) a partir da Era Vargas.
A problemática mais importante que se coloca é a de entender os problemas no campo brasileiro, especificamente na região do extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o estado de Mato Grosso. A questão agrária brasileira é decorrente do processo de colonização européia empreendido a partir do século XVI[2]. Caio Prado tratou da formação latifundiária brasileira, apontando o papel do Brasil no sistema exploratório internacional no qual estava inserido e que era o de prover o mercado europeu de produtos tropicais. Para que se instalasse a lavoura canavieira, no território brasileiro, procedeu-se a uma destruição da cultura e da dignidade dos povos aqui existentes e dos negros vindos do continente africano, para trabalharem como escravos neste território. O que se seguiu a partir do nascimento da agricultura mercantil no Brasil foi o desrespeito contra o ser humano que passou a ser inserido como objeto naquele sistema econômico exploratório. A agricultura desse tipo no Brasil, teve seu início com a plantação da cana-de-açúcar que, para comportar os interesses do latifúndio, requeria vasta extensão de terra para o seu cultivo. Além disso, a escravidão do negro e do índio eram necessários para a satisfação de outros interesses mercantilistas e racistas.
A lavoura canavieira instalada no Brasil como fruto do processo de colonização e exploração, sempre esteve associada a um processo manufatureiro que resultavo no produto colonial que diferentemente de outras (café, algodão, fumo, cacau) sempre implicou na sua transformação no próprio local de implantação. A atividade fabril sempre se manteve sob controle do proprietário fundiário, desta forma foram constituídos os engenho (RAMOS, 1991), que se confundiam inicialmente com as sesmarias e caracterizou a ocupação da faixa litorânea do território brasileiro.
PRADO Jr.[3], comparou a grande propriedade açucareira com um mundo em miniatura em que se concentrou e resumiu a vida de toda uma parcela da humanidade. Desta forma, cabe falar de um “complexo rural” que tinha como centro o engenho de açúcar, unidade econômica baseada na monocultura, no latifúndio e no trabalho escravo. Houve ainda uma desvalorização da agricultura de subsistência como resultado da produção em larga escala para abastecer os mercados internacionais, o resultado imediato foi a fome da maioria da população pobre e alienada da posse da terra, visto que a produção de outros bens ficou submetida ao que ocorria com os produtos principais, ou seja a cana e o seu resultante, o açúcar.
Até princípios do século XVIII, a agricultura tomou conta do cenário brasileiro, responsável em prover os mercados europeus dos bens que estes necessitavam. A partir desse período é que se destinou a esse fim e por três quartos de século foi o centro da atenções de Portugal, representando a maior parte do cenário econômico da colônia.[4] A mineração do ouro foi a responsável pela ocupação do interior do território brasileiro. Foi o surto minerador ( ao qual não nos deteremos por não ser nosso objeto de estudo) que fez com que , parcialmente, a primeira metade do século XVIII tenha sido um período infrutífero para a agricultura brasileira, visto que houve um intenso processo de migração para as zonas mineradoras, isso somado à crise do açúcar provocada pela concorrência com o produto antilhano, após a transposição da tecnologia do fabrico pelos holandeses para aquela região.
O rápido esgotamento dos recursos minerais possibilitou um retorno da agricultura no cenários das exportações nacionais, o gênero tropical que substituiu o açúcar produzido no Brasil foi o algodão, graças aos progressos técnicos alcançados pro este produto durante o século XVIII. A cultura algodoeira deu um novo impulso ao maranhão , que de região inexpressiva se tornou uma das mais ricas e destacadas, considera-se aqui o modelo de desenvolvimento apontado anteriormente, elitista e excludente, o impulsionador desse processo foi a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
Quanto à cana-de-açúcar, a principal região produtora no período passou a ser São Paulo. Para o cultivo da mesma se promoveu a devastação da mata em larga escala, propiciando o surgimento de terras estéries e de desertos. O que se pode notar nesse processo é o descaso com os recursos naturais: mata destruída e solo explorado à exaustão.
O século XIX caracterizou-se por profundas transformações, que promoveram profundas mudanças na fisionomia do país, o resultado foi a revolução na distribuição das atividades produtivas brasileira. Na segunda metade desse século o açúcar perdeu o mercado externo graças à produção em outros países do açúcar de beterraba. Como havia uma certa dificuldade em redirecionar todo o complexo produtor para outro bem, a forma encontrada foi modernizar a estrutura produtora do complexo, a atividade industrial passou a se aproveitar de toda a moderna tecnologia decorrente da Revolução Industrial, intensificou-se o processamento da cana, fazendo com que se tornasse uma “atividade propriamente capitalista”, visto que até então o modelo de capitalismo era o comercial. Com o advento do modelo industrial na Europa ocorreu, o declínio da Antigo Sistema Colonial. O interessante passou a ser a existência de um mercado livre, e neste sendo o pacto colonial que reservava à metrópole o privilégio das transações comercial não poderia ser mantido.
Para se promover esta mudança na forma capitalista de exploração no país, recorreu-se ao capital estrangeiro. Esse processo ocorrido fundamentalmente entre 1870 e 1930 promoveu uma “modernização conservadora” no campo. O latifúndio foi mantido e o Estado foi chamado a financiar a transformação do engenho burguês em engenho maiores, o que propiciou o surgimento das usinas.
O campo começou a se industrializar e aos poucos passou a ser entendido como um conjunto de atividades econômicas que incluíam a terra como meio de produção[5], sob o capitalismo, a partir daí, ocorreu gradativamente, a formação dos complexos agro-industriais, o que não resolveu o problema do abastecimento interno do país, pelo contrário. A modernização dos latifúndios e a conseqüente formação do CAIs – Complexos Agro-industriais da atualidade, aliados a modernização da agricultura, o implemento de máquina e equipamentos modernos aumentaram a produtividade das grandes propriedades (que produziam para alimentar o mercado externo), acabaram gerando exclusão social e aumentando o desemprego no campo e na cidade.
A partir de 1930, o Estado passou a controlar e direcionar melhor a cultura da cana. A fase inicial da ação do Estado no setor, está associada à crise açucareira de 1929,[6] momento que o país perdeu parcela do mercado exterior e necessitou deslocar ainda mais o açúcar produzido para o mercado interno, principalmente o açúcar nordestino, distante do principal mercado nacional, o Centro-Sul em expansão.
O retorno do Brasil ao comércio exportador, com envergadura, se deu a partir de 1960. a política que orientou o desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, nesta década, teve por objetivo o incremento das exportações de açúcar e a ampliação do parque industrial e das lavouras de cana. O favorecimento do Estado à iniciativa privada concentrada, alcançou outros setores da economia brasileira: a cultura da soja, por exemplo, assim como a cana-de-açúcar, a soja está inserida no complexo agroindustrial e recebeu o apoio do Estado que concedeu subsídios para a instalação de indústrias para o seu beneficiamento.
Durante a Ditadura Militar e a Nova República, o crédito rural subsidiado e os preços mínimos continuaram voltados primordialmente, para a modernização conservadora da agropecuária, finalmente, sob o Neoliberalismo, parcela do crédito rural ficou a cargo dos bancos privados e das agroindústrias.[7] Com a abertura econômica para o exterior, produtos agrícolas estrangeiros, ingressaram em grande quantidade no mercado nacional, criando uma crise agrícola, normalmente por serem melhores e mais baratos, mas, principalmente por causa da sobrevalorização do real frente ao dólar. Esse quadro passou a ser revertido quando a moeda brasileira sofreu brusca desvalorização frente à moeda dos Estados Unidos, de 1998 em diante.
A manutenção do PROÁLCOOL, a exportação de açúcar, o crescimento da urbanização brasileira e a adição de álcool carburante à gasolina comum são mercado e ganhos atuais para a expansão da agroindústria canavieira, mas não para os trabalhadores rurais em geral, estes continuaram enfrentando os efeitos da expansão da modernização agrária conservadora, que PALMEIRA[8] chamou de modernização perversa. Os remanescentes de quilombolas que permaneceram na região também sofreram o efeito dessa modernização conservadora. Quanto à agricultura canavieira, houve neste setor uma desvalorização do trabalho com o crescimento do número de bóias-frias. No município de Sonora que se encontra na região que é objeto do presente estudo, o desemprego é uma realidade e se reflete em seus desdobramentos na exclusão de um grande número de trabalhadores dos postos de trabalho e na presença de andarilhos no perímetro urbano.
O meio ambiente e as pessoas não ficaram imunes a todos esses acontecimentos e passaram a ser penalizados, principalmente por causa das queimadas e dos subprodutos agro-industriais, por vezes jogados sem tratamento e impunemente no meio ambiente. A polêmica sobre as queimadas da cana e os impactos ambientais por ela causados tem apressado o processo de substituição dos cortadores por máquinas que fazem a colheita da cana sem queimá-la, o que inevitavelmente irá ampliar o número de desempregados.
Neste contexto de mazela sociais provocadas pela concentração de terras e modernização conservadora da agropecuária, pode-se afirmar que a solução não está nos complexos agro-industriais. Uma boa advertência, neste sentido, se põe com o clássico PRADO Jr.:

“... o primeiro e principal passo, no momento, para sairmos dessa situação ao mesmo tempo dolorosa e humilhante para nosso país é (...) a modificação das condições reinantes no campo brasileiro e a elevação dos padrões de vida humana que nele dominam. (...)”[9]

No texto, “ A História Legal da Terra na Fronteira e a Questão da Autoridade”, FOWERAKER[10] trata da questão da ocupação de terras no Brasil, desde o período da ocupação colonial, passando pela discussão da Lei de Terras de 1850 e tratando da questão política que está intrinsecamente ligada à história legal das terras. O texto aponta o papel do posseiro nesse processo de ocupação.
Entretanto, para que seja possível tratar da questão de posse, propriedade e titulação é necessário que se compreenda a importância da terra no mundo contemporâneo, mais especificamente na sociedade brasileira atual, ressaltando-se a necessidade de fugir de um quase inexorável maniqueísmo do qual muitas vezes a tentativa de compreensão da realidade se torna vítima. Sendo assim, dentre as várias definições é necessário salientar uma mais contemporânea em que a terra é tida como: meio de produção e, considerando o caráter neoliberal que permeia todas as modernas relações, inclusive a relação do ser humano com a terra, o que se processa é a intensa mercantilização desse bem.
Nesse ponto é possível retomar a discussão acerca de posse que, no sentido original, é o resultado de um processo de ocupação a partir do qual se dá o assenhoreamento de coisa sem dono. Nesse sentido, o valor da propriedade assenhoreada seria o equivalente ao trabalho empregado na mesma, porém de acordo com o caráter neoliberal exposto anteriormente, a terra deixou de ter apenas o valor do trabalho nela empregado e passou a ser expediente de lucros através da especulação.
Aponta FOWERAKER (1982), que ocorreu uma mudança no controle das terras devolutas, que por sua vez vão para o poder da iniciativa privada para o capital particular basicamente. Ressalta-se aqui a intrínseca relação entre terra e Poder. Na medida que o Estado transfere ou simplesmente facilita a aquisição de terras para os grandes grupos de interesses econômicos particulares, acaba por diminuir as possibilidades reais de o posseiro conseguir uma propriedade legal de terra. Esse expediente fez com que determinados grupos aumentassem seu poder se utilizando muitas vezes da força para alcançar seus objetivos, burlando desta forma o que está convencionado pela sociedade (lei).
FOWERAKER aponta que[11], a história da legalização das terras em mãos de particulares, é uma história política, e neste ponto é possível retomar a discussão do poder considerando que cargos públicos também são formas de amealhar poder e de utilizar a lei em benefício próprio. O peso maior da participação do Estado e como conseqüência do poder político na decisão sobre o controle das terras brasileira ocorreu, sobretudo, na forma de fomentos, bastante intensificados pelo governo entre os anos de 1940 e 1950, e que ainda estão presentes na atualidade, sob a forma de financiamentos bancários, crédito, micro-crédito e bolsas com fins variados.
No tocante ao tema específico do presente projeto, os mencionados fomentos estatais influenciaram enormemente na conformação econômica da região, pois no ano de 1975 foi instalada no Vale do Correntes uma Companhia Agrícola, responsável por um processo de expulsão e desapropriação do pequeno produtor que resultou num processo de concentração fundiária sem precedentes na região.
A interferência do Estado brasileiro no controle e direcionamento da cultura canavieira passou a ocorrer no início dos anos de 1930[12], mas a partir de 1960esse controle se deu com maior intensidade no Centro-Oeste. COSTA[13] mostrou que esta década foi o marco histórico inicial das transformações na agricultura, promovida por um determinado modelo de sociedade que se pretendia construir, no qual uma maior produção agrícola supostamente traria resultados positivos para a estratégia de desenvolvimento adotada. E isso não foi obtido nem em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, na perspectiva da maioria dos trabalhadores rurais destes estados.
A agricultura brasileira tem um problema chave, pois ao mesmo tempo que precisa fortalecer o mercado externo, necessita também aumentar a produtividade de bens de consumo interno. Porém, com a modernização conservadora da agricultura, tem-se uma redução no número de pequenas propriedades, que são as que produzem os bens de consumo interno, visto que nos “CAIs” o que prevalece é a produção em larga escala dos produtos de exportação e esses avançaram em área sobre a pequena produção. Segundo NASCIMENTO[14], o aspecto principal dessa “modernização via Estado”, promoveu uma expansão subsidiada do latifúndio, que se modernizou (mecanização, utilização de novos insumos), tornando-se capaz de produzir em larga escala, porém não houve geração de empregos correspondente e o que se efetivou foi a expulsão, quando não expropriação do trabalhador do campo. Este não é o ponto de vista de MULLER[15], para quem o complexo agro-industrial pode atender tanto o mercado externo quanto o interno na produção de gêneros de subsistência. Outro ponto de vista contrário ao de MULLER, pauta-se em PRADO Jr.[16], que ao defender a pequena propriedade, mostrou que o implemento de máquinas e equipamentos modernos (que visam principalmente a produção para abastecer o mercado externo) aumentou a exclusão social no campo, assim como o desemprego. A questão que pretendemos discutir é a degradação social, econômica e ambiental, promovida a partir do processo de concentração fundiária, promovida pela ação das frentes de expansão da fronteira agrícola, que além de privilegiar um número restrito de pessoas é prejudicial ao desenvolvimento econômico da região, na medida que a pequena propriedade que vem perdendo espaço para os CAIs é aquela que produz majoritariamente os gêneros de consumo dos quais as pessoas necessitam.
O presente estudo se pauta na análise dos processos relacionados a questões relacionadas à terra, à colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, Pierre Monbeig, Léo Waibel e José de Souza Martins em suas respectivas obras.[17]
Para Tânia Navarro Swain,

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)

Outra preocupação é entender o emprego do trabalho indígena utilizado por muitos anos na região e até que ponto foi compulsório. Estudar as condições do mesmo, que segundo consta durou até cerca de dez anos atrás. Além das relações sociais que se processam na atualidade, com a migração dos nordestinos no período das safras, e as condições sociais e econômicas da comunidade quilombola que reside na região.
As representações que são próprias da mencionada região é fruto da emergência de novos objetos no seio das questões históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc.. – o que representava a constituição de novos territórios do historiador através da anexação dos territórios dos outros. Daí corolariamente, o retorno a uma das inspirações fundadoras dos primeiros Annales dos anos 30, a saber, o estudo das utensilagens mentais que o domínio de uma história dirigida antes de mais para o social tinha em certa medida relegado para segundo plano.(p.14).[18]
Sustentamos o presente estudo em autores que analisam processos relacionados a questões da terra, da colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, para quem:

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)

No tocante à compreensão sobre fronteiras utilizamos os conceitos de criados por Waibel. segundo Waibel, a questão é se ainda “temos tais zonas pioneiras no Brasil e, em caso afirmativo, onde estão localizadas (...) o que exige uma melhor definição dos conceitos de frontier e pionner” (1979: 281).
Segundo Waibel, o conceito de pioneiro.

significa mais do que o conceito de frontiersman, i.é., do indivíduo que vive numa fronteira espacial Nem o extrativista e o caçador, nem o criador de gado, podem ser considerados como pioneiros; apenas o agricultor pode ser denominado como tal, estando apto a constituir uma zona pioneira. Somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural e de alimentar um grande número de pessoas numa área pequena. (Waibel, 1979: 282 emprega o conceito de pioneiro também para indicar a introdução de melhoramentos no campo da técnica e da vida espiritual)

Esse autor afirma, ainda, que :

só falamos de uma ‘zona pioneira’ (...) quando subitamente por uma causa qualquer a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de uma forte corrente humana (Waibel, 1979: 282).

De grande relevância ainda para o presente estudo foram algumas obra de Martins (1997), para quem o termo fronteira, no Brasil, é tratado de forma particular por geógrafos e antropólogos. Para os primeiros, como um termo que designa uma zona pioneira ou uma frente pioneira. Os segundos, sobretudo a partir dos anos cinqüenta, definiram essas frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes de expansão.
Na tentativa de explicitar melhor essa diferença Martins (1997) apresenta a posição assumida por diferentes autores, mas, nos limites desse estudo, restringimo-nos a apresentar as considerações de Martins sobre os conceitos defendidos por Darcy Ribeiro, Pierre Monbeig, Roberto Cardoso de Oliveira, Arthur Nehl Neiva.
A designação de frentes de expansão formulada por Darcy Ribeiro, como “fronteiras de civilização”, tornou-se uso corrente até mesmo entre antropólogos, sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização. Ela expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.
Tais definições parecem apontar que a concepção dos antropólogos sobre a expansão é mais ampla, pois incorpora os índios, desconsiderados pelos geógrafos.
Pierre Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no oeste de São Paulo como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem pela construção de ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão.
A concepção de frente pioneira, para Martins,

compreende implicitamente a idéia de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais. (...) A frente pioneira é também a situação espacial e social que convida ou induz `a modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança social. (Martins, 1997)

para Martins (1997), a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade, do conflito de terras ou conflito social:

Na minha interpretação, a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso que faz dela uma realidade singular, À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado e os camponeses pobres, do outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro (...) a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte antagônica do Nós...” (Martins, 1997).

No que diz respeito à localização das zonas pioneiras Waibel considera que

No Brasil as zonas pioneiras não são um fenômeno primário da conquista de novas terras, mas uma conseqüência da mesma. (...) Nestas áreas insuladas de mata os colonos penetraram não só a partir do leste, mas, também, do sul e do norte, e em parte do oeste, fazendo assim uma penetração pela retaguarda.(Waibel, 1997).
A partir da reflexão dos conceitos de fronteira, zonas pioneiras e zonas de expansão dos autores supramencionados, Martins (1997) se sente à vontade para fazer uma primeira datação histórica: adiante da fronteira demográfica ou da “civilização”, estão as populações indígenas que sofrem as conseqüências dos processos de expansão. Entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas, também, pelos agentes da modernização que se constituem em agentes da economia capitalista que vai além da economia de mercado. São agentes de mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.
[1] FONTANA, Josep. “Reflexões sobre a História do Além do Fim da História”. in: A História para além do Fim da História, EDUSC, São Paulo, 1998.
[2] PRADO Jr., Caio. “História Econômica do Brasil”. Brasiliense, São Paulo, 43 ed. 1998.
[3] PRADO Jr. Op. Cit.
[4] PRADO Jr. Op. Cit.
[5] MULLER, Geraldo. “Cem Anos de República: notas sobre as transformações Estruturais no Campo”. In: Revista de Estudos Avançados. V.03,n.07, São Paulo, USO/ICA: set/dez, 1989.
[6] BRAY, Silvio Carlos; FERREIRA,Enéas Rente; RUAS, Davi Guilherme Gaspar. “As Políticas da Agroindústria Canavieira e o Proálcool no Brasil”. Marília, Unesp-Marília-Publicações, 2000.
[7] Bray, Op. Cit.
[8] PALMEIRA, Moacir.”Modernização, Estado e Questão Agrária”. In: Revista de Estudos Avançados. São Paulo (USP) IEA. Set/Dez. v.03,n. 07,p..87. 1989.
[9] PRADO Jr.
[10] FOWERAKER, Joe. “A luta pela terra – a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos dia atuais”. Rio de Janeiro:Zahar, 1982.
[11] O autor faz alusão a um problema brasileiros dos anos de 1980, que nos parece ainda muito pertinente aos problemas fundiários da atualidade. Nesta caso específico, acredita-se que o estudo desse autor é bem empregado na tentativa de compreender a formação latifundiária e excludente da região do Vale do Correntes.
[12] Bray; FERREIRA & RUAS. Op. Cit.
[13] COSTA, Dermeval Pereira da. “Um diagnóstico acerca das transformações recentes na agricultura brasileira: o caso da Usina Jaciara S/A”. Mimeo.
[14] NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. “Aceleração Temporal na Fronteira: estudo do caso de Rondonópolis-MT”. Tese de doutorado, São Paulo: História/FFSCH/USP, 1997, p.01 a 25.
[15] MULLER, Geraldo. “Cem anos de República: notas sobre as transformações estruturais do campo”. In: Revista de estudos avançados, v.03,n.07, São Paulo, USP/ICA: set/dez, 1989.
[16] PRADO Jr. Op. Cit.
[17] As obras referidas são:
a)MARTINS, José de Souza. Fronteira. A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.
b)MONBEIG, Pierre. Os pioneiros. In: ____________. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Polis, 1984. p. 139 – 164.
c)SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.

WAIBEL, Léo. As zonas pioneiras do Brasil. In: ___________. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2ª Ed., Rio de janeiro: FIBGE, 1979. p. 279-311.


[18] CHARTIER, Roger.“A história cultural: entre práticas e representações”. Lisboa Rio de Janeiro, DIFEL Bertran Brasil, 1990.

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